10 de jun. de 2012

Veja como trabalham (e se divertem) os hackers brasileiros


Casa da Cultura Digital

Em meio a uma vilinha de estilo italiano construída nos anos 1920, circundada por uma área verde que destoa e muito do vizinho Minhocão, um grupo se reúne no porão quase todas as noites para ligar fios, soldar placas e discutir linhas de código. Ao descer a escada que dá acesso à reunião, com paredes que estampam os rostos grafitados de personalidades improváveis como Lawrence Lessig – advogado que criou a licença Creative Commons –  ou do matemático Alan Turing, já dá para perceber que ali embaixo se encontra uma espécie de universo paralelo. Por lá, assuntos intangíveis para a maioria da população como robótica avançada ou impressão 3D são como um simples papo de boteco.

Trata-se do Garoa, o hackerspace paulista,  em funcionamento desde o final de 2010 no apertado porém aconchegante porão da Casa de Cultura Digital, entidade descentralizada que reúne diversos projetos ligados à tecnologia e que ocupa o casarão que um dia já serviu de cenário para o Castelo Rá-Tim-Bum. Criado por um grupo de desenvolvedores que queria trabalhar colaborativamente, o clube é um espaço aberto de aprendizagem sobre programação, robótica, hardware, software, música, artes plásticas, gambiarras mil e –  como diz a página oficial do clube –  "o que mais a criatividade permitir".

Igor Prado / Creative Commons

O porão do Garoa (Foto: Igor Prado / Creative Commons)

Quem explica o conceito do hackerspace é o seu  atual 'chanceler supremo' Daniel Marques, um desenvolvedor que mexe com software profissionalmente e que resolveu explorar a montagem de hardware por hobby.  "O hackerspace é um espaço de aprendizado para o hobbysta e para o interessado em tecnologia em geral. As histórias do hacker e da própria invenção do computador
estão muito ligadas a do hobbysta, aquele cara que começa a fuçar em um equipamento na garagem e de repente inventa alguma coisa. Na verdade, acho que os primeiros hackers eram aquelas crianças que tentavam montar os próprios trenzinhos”, brinca. "Muitos de nós já conhecíamos o conceito de hackerspace e outros já tinham até visitado alguns desses espaços fora do Brasil, como o Noisebridge (São Francisco, EUA), e com isso foi surgindo a ideia de fazermos um hackerspace brasileiro. Conseguimos esse espaço do porão e começamos a tocar pra frente".
 
O Garoa não oferece cursos formais, mas sim o espaço para que pessoas com interesses semelhantes possam se encontrar e se ajudarem mutuamente na concretização de projetos.  Mas algumas atividades são regulares, como a 'Eletrônica com carinho' (segunda-feira), 'Noite do Arduino' (quinta-feira) e 'Arduino 100 noção' (sábado). Os leigos também são bem-vindos, e eles estavam em grande número no dia que visitamos o espaço. Era uma quinta-feira, dia de aprender sobre o microcontrolador Arduino, e muitos dos que ali estavam aprendiam a lidar com todos aqueles circuitos e palavras técnicas. Basta interesse em tecnologia e muita disposição para aprender.

"Nossa ideia não é transformar o Garoa em uma empresa ou em uma incubadora, mas o de ser um clube aberto e que propicie novas experiências", resume Daniel.  Apesar disso, pelo menos uma empresa já saiu de lá. Trata-se da Metamáquina, iniciativa de sócios do Garoa que agora ocupa uma outra sala da Casa. A empresa é a primeira no Brasil a produzir e vender impressoras 3D, baseadas em uma adaptação do projeto acadêmico open source RepRap.

Ideias sem dono

Ali, as ideias nascem com dono mas logo se perdem em um enevoado conceito de autoria. "É muito espontâneo. Alguém chega com uma ideia, comenta com as pessoas mais próximas e aos poucos um grupo de trabalho vai se montando", explica Daniel. Muitos aparelhos úteis e geringonças complexas já foram criadas assim, colaborativamente, naquele porão apinhado de fãs de eletrônica e decorado por uma simpática estátua de pirata.

As propostas de invenções  vão de um skate que faz lightpainting (pintura com luzes de LED) a um caro e complexo cortador de objetos a laser. Outros destaques são o remake do clássico dos anos 80 'Pense Bem' e a Piratebox, uma espécie de rede de troca de arquivos local. Todos os projetos estão listados na wiki do Garoa.

Ao contrário de outros espaços de hackers como o alemão Chaos Computer Club, de onde saíram Julian Assange e vários outros membros do Wikileaks, o Garoa não tem afiliação política ou causas específicas. “Não temos posições políticas institucionais. Muitas pessoas têm como afinidade a causa do software livre e quase todos temos em comum a defesa da liberdade da informação, mas não é algo central aqui”, explica Quadros, que resume o objetivo final do Garoa: "O que nos interessa é trocar ideias e tirar elas do papel". A Casa da Cultura Digital fica na Rua Vitorino Carmilo, 459, bairro de Santa Cecília, próxima à estação Marechal Deodoro do metrô.